Aderir ao E-Lar e substituir os equipamentos a gás natural por elétricos? Não, obrigado.
Compare custos, conforto e durabilidade antes de aderir ao novo programa de apoios do Estado.
No final de setembro deste ano (2025), foi lançado o novo programa E-LAR, um incentivo promovido pelo Governo português que pretende estimular a eficiência energética nas habitações, através da substituição de equipamentos a gás por novos aparelhos elétricos mais eficientes.
O objetivo declarado é ajudar as famílias a reduzirem o consumo energético e a melhorar o conforto doméstico, sobretudo num país que continua a apresentar dos piores indicadores de pobreza energética da Europa.
No entanto, analisando com atenção as configurações deste programa, o mesmo falha redondamente o seu propósito, levando as famílias a tomar decisões pouco informadas e que as poderão prejudicar a partir do momento de adesão ao programa.
Passo a explicar porquê.
Esta é a configuração do programa:
- Este novo programa vai disponibilizar vouchers para que as famílias possam fazer a troca de aparelhos a gás por novos equipamentos elétricos, com apoios que chegam a 1.683€ (famílias vulneráveis) e 1.100€ (restantes);
- Começou por ser exclusivamente para novos equipamentos da classe energética A (mais eficientes) mas o Governo já alargou a oferta dos equipamentos para aquecimento de água (termoacumuladores elétricos) até à classe B;
Quais são então os riscos associados à adesão a este programa?
1) Aumento da fatura anual de energia
Imaginemos uma família de quatro pessoas em Portugal.
Segundo o simulador da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), o seu consumo médio anual de gás natural é de cerca de 3.407 kWh.
- Esse consumo, no Comercializador de Último Recurso, representa uma despesa de aproximadamente 368 € por ano.
- Já se a mesma quantidade de energia for consumida em eletricidade, o custo sobe para cerca de 819 € por ano, de acordo com os preços praticados pelos principais comercializadores.
Ou seja, substituir os atuais equipamentos a gás por eletrodomésticos elétricos pode significar um aumento de mais de 125% na fatura de energia.
Mesmo tendo em conta a diferença de eficiência entre equipamentos (um esquentador a gás pode ter 85–88% de eficiência e um termoacumulador elétrico cerca de 90%), a poupança não compensa a diferença de preços. As famílias acabarão por pagar muito mais.
Para além do aumento direto na fatura, existem outros fatores a considerar:
- Potência contratada: a substituição dos equipamentos a gás por elétricos pode obrigar ao aumento da potência elétrica contratada, trazendo um custo fixo mensal mais elevado.
- Manutenção e durabilidade:
- Um esquentador a gás tem, em média, 25 anos de vida útil e necessita de manutenção apenas de 10 em 10 anos.
- Já um termoacumulador elétrico dura em média 15 anos, requer manutenção a cada 2 anos e, por trabalhar com depósito de água, está mais sujeito a avarias.
Em conclusão, a substituição de equipamentos a gás natural por elétricos não só aumenta significativamente a fatura anual de energia, como pode trazer custos adicionais de manutenção e instalação. Para muitas famílias portuguesas, esta mudança traduz-se num encargo financeiro considerável e duradouro.
2) Adeus comodidade
Um dos pontos mais referidos por quem utiliza um termoacumulador elétrico (também conhecido como cilindro) é a dificuldade em gerir a água quente para todos os banhos da família.
Isto acontece porque, ao contrário de um esquentador a gás natural, que fornece água quente de forma imediata e ilimitada, o termoacumulador funciona com um depósito de água com capacidade finita. Esse depósito mantém a água quente mesmo quando não está a ser utilizada, mas esvazia-se progressivamente à medida que os banhos vão acontecendo.
Na prática, isto significa que os primeiros membros da família conseguem usufruir de água quente sem problema, mas os últimos podem enfrentar um duche interrompido por falta de água quente. Nesses casos, é necessário esperar que o termoacumulador volte a aquecer a água antes de poder utilizá-la novamente.
Para se ter uma ideia, um duche de 8 minutos consome, em média, mais de 50 litros de água quente. Ou seja, se vários banhos ocorrerem seguidos, a probabilidade de o depósito não ser suficiente é bastante elevada.
Com um esquentador a gás natural, essa preocupação não existe: a água quente é gerada de forma contínua, sem interrupções e sem limites, garantindo o conforto de todos os elementos da família, em qualquer momento do dia.
3) Ainda menos espaço
Para além do impacto na fatura e no conforto diário, a substituição de equipamentos a gás natural por elétricos traz também uma questão prática muitas vezes esquecida: o espaço ocupado em casa.
Um termoacumulador elétrico de 120 litros, que é o mínimo recomendado para uma família de quatro pessoas, tem dimensões muito superiores às de um esquentador a gás natural de 11 litros. Na verdade, ocupa cerca de quatro vezes mais espaço.
Isto significa que, para quem tem hoje um esquentador a gás compacto instalado na cozinha, a mudança para um termoacumulador pode implicar a perda considerável de área útil, reduzindo espaço de arrumação ou até limitando a organização do próprio ambiente.
4) Ainda menos autonomia energética
A substituição forçada dos atuais consumos de gás natural por soluções totalmente elétricas pode trazer riscos sérios para a segurança e estabilidade do sistema energético. Concentrar toda a procura apenas na rede elétrica aumenta a probabilidade de interrupções locais e pode degradar a qualidade do serviço prestado às famílias.
Em contrapartida, a rede nacional de gás já está preparada para receber e distribuir gases renováveis, como o biometano e o hidrogénio verde. Esta infraestrutura é um ativo estratégico do Estado Português, em perfeitas condições para apoiar a transição energética e a descarbonização, sem necessidade de grandes investimentos adicionais ou custos acrescidos para os consumidores.
A questão que se coloca é simples: faz sentido abandonar uma rede moderna e pronta para o futuro, para concentrar todo o consumo apenas na eletricidade, tornando o país mais vulnerável? O grande apagão de abril de 2025 mostrou de forma clara o risco de dependermos de uma única fonte. Diversificar é a melhor forma de garantir autonomia, resiliência e segurança energética para todas as famílias.
O foco do programa está errado
Face aos argumentos apresentados, é evidente que o programa E-Lar está longe de alcançar o objetivo para o qual foi criado: ser uma ferramenta eficaz no combate à pobreza energética e, ao mesmo tempo, um verdadeiro estímulo à transição energética.
Do meu ponto de vista, uma estratégia sólida para atingir esses objetivos deve assentar em seis pilares fundamentais:
- Oferecer soluções energéticas competitivas para famílias e empresas, garantindo preços acessíveis e sustentáveis.
- Reforçar a eficiência térmica e energética dos edifícios, preparando-os melhor para enfrentar as exigências atuais e futuras.
- Aproveitar e otimizar os recursos e infraestruturas já existentes, evitando desperdícios e investimentos desnecessários.
- Apostar nas energias do futuro, escolhendo as tecnologias que melhor respondem às reais necessidades do país.
- Assegurar soluções complementares, que aumentem a resiliência do sistema e a autonomia energética das famílias.
- Promover a literacia energética, capacitando a população para tomar decisões mais conscientes sobre os seus consumos.
Só assim será possível construir um caminho equilibrado, justo e verdadeiramente sustentável para a transição energética em Portugal.
Em conclusão, ao aderir ao novo programa E-Lar, as famílias correm o risco de:
- Aumentar em muito a sua fatura mensal de energia
- Passar a ter uma gestão de banhos mais desafiante
- Perder espaço na cozinha ou outra divisão da casa
- Perder autonomia energética
- Passar a ter de trocar de equipamentos com maior regularidade
- Passar a ter de fazer mais manutenções dos equipamentos
Por tudo isto, pense bem antes de fazer a troca dos seus equipamentos a gás natural, por equipamentos elétricos.
Porque nem tudo o que é oferecido, é verdadeiramente um benefício.
